ENTREVISTA/ANFFA SINDICAL/JANUS MACEDO:
Por Sandy Oliveira
São Paulo, 01/07/2022 – Em operação-padrão desde o fim do ano passado, os auditores fiscais federais agropecuários reivindicam a realização de concursos públicos, a reestruturação de carreira e, agora, pedem por um debate mais profundo sobre o Projeto de Lei n° 1.293, que estabelece a fiscalização agropecuária por autocontrole, aprovada pela Comissão de Agricultura no Congresso Nacional. Os servidores federais fizeram uma paralisação no dia 14 de junho, mas, em cumprimento à determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tiveram que voltar atrás e seguir na operação-padrão que tem provocado filas de cargas nos portos do País à espera de liberação.
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa), Janus Pablo de Macedo, avalia que o PL do autocontrole não foi discutido como deveria e, caso avance para a sanção do executivo, sem ampliação do debate, vai afetar, especialmente, a segurança alimentar da população brasileira. Ele acredita que uma medida dessas não pode ser aprovada às pressas e que a sociedade precisa se movimentar para impedir o avanço da normativa, que deve passar por ampla discussão, já que se trata de segurança alimentar. “O impacto para a população será contundente”, reforça Macedo, em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro.
Ele acrescentou que o PL enfraquece a fiscalização nas empresas agropecuárias do País, restringindo exigências que passariam a ser necessárias apenas aos produtos destinados ao mercado externo, enquanto mercadorias consumidas internamente deixarão de ter o crivo independente dos fiscais federais agropecuários. “Os europeus e os norte-americanos vão continuar recebendo produtos de altíssima qualidade, que passarão pelo nosso crivo, dos auditores federais”, ressalta. Ainda conforme ele, as mudanças beneficiam indústrias frigoríficas, principalmente as exportadoras. Na tentativa de derrubar o PL, o Anffa Sindical obteve o número de assinaturas necessárias para levar a pauta para discussão no Plenário do Senado Federal. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Broadcast Agro: Os fiscais federais agropecuários estão em operação-padrão já há algum tempo. Por quê? Quais as reivindicações da categoria? Qual a previsão para essa operação terminar?
Janus Pablo de Macedo: Já estamos há seis meses em operação-padrão. Os principais pontos que reivindicamos são realização de concursos públicos, porque hoje temos um corpo de apenas 2.484 auditores federais agropecuários, quando, há 20 anos, nós éramos mais de 4 mil. Outro ponto muito importante é a questão do Projeto de Lei que está sendo chamado de PL do autocontrole, mas, na verdade, envolve temas que afetam negativamente a defesa agropecuária do País, ao retirar atribuições dos auditores. E, por último, pedimos a reestruturação da carreira, e que este tema envolva uma evolução das nossas atribuições, que consigam acompanhar o desenvolvimento da agropecuária brasileira. Além disso, a reestruturação deve corrigir a atual assimetria salarial entre as categorias de fiscalização do governo federal. Nossa orientação é de que a operação-padrão vai continuar até conseguirmos a realização de concurso, a reestruturação da carreira e barrar o PL do autocontrole.
Broadcast Agro: Em meio a um cenário de recursos limitados por causa do teto de gastos, como a categoria sugere reajustes e também a contratação de novos fiscais?
Macedo: Entendemos que a contratação, por meio de concurso público de mais auditores agropecuários, é
um investimento para o Brasil. O setor agropecuário contribui fortemente para a balança comercial brasileira, ou seja, nossa atuação é positiva e fortalece o Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado, só o agronegócio contribuiu com mais de R$ 1,3 trilhão no PIB do País. E é neste sentido que queremos um maior número de auditores. Aumentar ainda mais esses pontos positivos na balança comercial e produzir muito mais para a população brasileira. Com relação à reestruturação da carreira, nós sabemos que há espaço dentro do teto de gastos para fazer isso em algumas carreiras estratégicas. Também há entendimento do governo federal, de que isso pode ser feito no curto prazo. Estamos trabalhando sob esta ótica.
Broadcast Agro: O Ministério da Agricultura tem sido bom interlocutor da categoria para essas reivindicações?
Macedo: Sim. Desde a ex-ministra (da Agricultura) Tereza Cristina nós encontramos um ambiente muito
bom de interlocução. Ela entendeu, rapidamente, a importância da nossa atuação no cenário da agropecuária brasileira. E sabia da importância da especialização da nossa carreira e contribuiu para a elaboração do concurso público, que, agora, está sendo continuado pelo atual ministro, Marcos Montes, que há muito tempo já conhece nossa atuação e vem trabalhando para isso também. Mas o concurso sempre esbarra no Ministério da Economia, sob a justificativa do teto de gastos. Nós somos sempre deixados de lado. Em razão disso, queremos projetar nossa carreira para a população e mostrar nossa importância.
Broadcast Agro: Na visão do Anffa Sindical essa operação-padrão não põe em risco a fiscalização
agropecuária de produtos perecíveis no País? Se não, gostaria que falassem das providências que a
categoria vem tomando para que isso não aconteça.
Macedo: Desde o primeiro momento da operação-padrão, produtos perecíveis, cargas vivas, diagnóstico de
zoonoses de pragas, que podem acometer nosso rebanho e lavouras, estão sendo 100% cumpridos. Não houve comprometimento dessas fiscalizações durante a operação-padrão. Estamos utilizando o rigor da lei para que a gente possa analisar os processos. (A demora na fiscalização) está sendo potencializada pela falta de fiscais federais agropecuários, principalmente na área vegetal, nos pontos de ingresso e saída do País. Há um gargalo enorme, mesmo com os produtos perecíveis tendo prioridade no desembaraço e na certificação dos produtos. A operação-padrão só tem jogado luz na falta de funcionários.
Broadcast Agro: Noticiamos recentemente que há fila de contêineres em portos por causa da
operação padrão. Por outro lado, vocês dizem que não prejudica a fiscalização de cargas perecíveis.
Os fiscais têm conseguido conciliar isso?
Macedo: Além de toda a certificação dos produtos de origem animal que nós fazemos, outros produtos, como máquinas e utensílios, chegam ao Brasil em embalagens de madeira. Somos nós que fazemos a fiscalização dos pallets que embalam essas cargas. Este tipo de carga é passível de fiscalização por parte dos auditores fiscais federais porque as embalagens de madeira podem conter pragas que não existem no País. Apesar de a gente trabalhar normalmente na liberação das cargas vivas e perecíveis, essa outra parte fica realmente prejudicada com a nossa operação-padrão.
Broadcast Agro: Divulgamos, recentemente, que a Associação Brasileira da Indústria Exportadora
de Carnes (Abiec) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) enviaram ofício ao
Ministério da Agricultura solicitando providências contra a greve que a categoria fez dia 14. Como
encararam essa atitude?
Macedo: Extrapolação de competência. Cabe ao Ministério da Agricultura, numa interlocução, a negociação com o Anffa Sindical, que representa todos os auditores agropecuários. Sabemos e compartilhamos com o setor produtivo desse embaraço que está havendo na liberação de mercadorias, mas ao mesmo tempo estamos abertos para o diálogo, para negociação, para que a gente avance nessas pautas e para que esse cenário volte à normalidade o mais rápido possível.
Broadcast Agro: Há outra greve no cenário, no curto prazo? Como estão as negociações com o
governo? Ou não há negociação? O governo está refratário?
Macedo: Não temos mesa de negociação neste governo, como havia nos anteriores. Sem essa porta de negociação, fica muito difícil. Estamos usando como interlocutores principais o ministro da Agricultura, Marcos Montes, e o Parlamento, para que atuem a nosso favor, haja vista que o impacto da nossa mobilização e da falta de fiscais agropecuários é sentido nos Estados agropecuários. Mas notamos que o cenário está mudando, o sentimento do governo com relação ao reconhecimento dos servidores públicos. Acredito que, no segundo semestre, com a mudança nos indicadores da economia, essas pautas possam ser realizadas. Claro que a possibilidade de realização de uma nova paralisação não está descartada. Na greve realizada no dia 14 de junho, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ordenou a volta das nossas atividades em portos, aeroportos, frigoríficos e na defesa agropecuária. (A decisão) de certa forma nos prejudicou, pois impede a realização de um direito que está previsto na Constituição (o de greve).
Broadcast Agro: Quais expectativas do setor quanto à discussão do PL do autocontrole no Senado? Já tem data para acontecer? Tem tido apoio dos senadores? Será uma vitória difícil, no entender do Anffa Sindical?
Macedo: O PL foi aprovado sem se aprofundar a discussão sobre os danos que pode causar para a segurança alimentar da população brasileira. Estamos em tratativas, fazemos interlocução diária no Senado Federal e, a cada dia, esse número de senadores que nos apoiam e apoiam a sociedade brasileira está aumentando. Explicamos que haverá ausência dos auditores nos frigoríficos, diminuindo a fiscalização nas empresas, restringindo as exigências, que serão mantidas só para os produtos exportados, enquanto os produtos consumidos pela população brasileira não passarão pelo crivo dos auditores federais agropecuários, somente pelo crivo da própria empresa produtora. À medida que a gente começa a argumentar nesse sentido, temos conseguido apoio maior dos senadores e senadoras. Há uma previsão para (o PL) ser pautado na próxima semana. Nossa estratégia é tentar criar, dentro do plenário, algumas sessões temáticas e inserir outras entidades que estão preocupadíssimas com esse PL, como as de defesa do
consumidor e aquelas que representam o bem-estar animal. A realização dessas ações temáticas é importantíssima para que se possa aprofundar o debate e também a própria fala dos senadores no plenário. Acreditamos que isso deva despertar o interesse da população e da sociedade brasileira.
Broadcast Agro: A operação-padrão não enfraquece o poder de negociação da categoria junto aos parlamentares para a derrubada do PL do autocontrole? Isso porque várias entidades do agronegócio, que também têm lobby no Congresso, são favoráveis a esse PL – talvez para não ficarem à mercê de eventuais operações-padrão ou greves da categoria…
Macedo: É um desafio que está sendo encarado. Temos que tratar, muitas vezes, com o mesmo interlocutor favorável ao PL e que também defende o reconhecimento da categoria por meio da reestruturação. É um desafio, mas nós colocamos que, em primeiro lugar, está a segurança alimentar da população brasileira, a qualidade dos produtos que nós acompanhamos, tanto aqueles produzidos aqui, para o mercado nacional, como também os produtos destinados à exportação.
Broadcast Agro: Se o PL do autocontrole passar, que atitudes o Anffa Sindical pretende tomar?
Macedo: Nós estamos com o PL sendo analisado pela nossa assessoria jurídica e tratando com outras entidades também. E, se passar, se for aprovado, nós vamos até a última instância. Vamos acionar até, se for possível, o Supremo Tribunal Federal (STF), pela inconstitucionalidade da matéria. O PL não trata apenas do autocontrole, mas de vários outros pontos essenciais à agropecuária brasileira.
Broadcast Agro: Há sugestões de mudanças no texto? O Anffa Sindical está conversando com os senadores para sugerir alterações? Têm sido bem recebidas?
Macedo: Apresentamos 11 emendas no Senado, nenhuma foi acatada. Para dar celeridade ao processo, isso deveria ser aprovado ainda neste governo. São emendas importantíssimas.
Broadcast Agro: A quem beneficia a aprovação do PL do autocontrole?
Macedo: À indústria frigorífica brasileira, principalmente os exportadores. Muito provavelmente as médias e pequenas empresas agropecuárias não serão contempladas por este projeto. Este PL foi desenhado principalmente para atender às grandes indústrias do agronegócio, tanto da área animal quanto da área vegetal. Mas não somos contrários à agropecuária brasileira, muito pelo contrário, temos propostas construtivas para melhorar nossa eficiência de fiscalização, a do Ministério da Agricultura, e cada vez mais produzir para o Brasil. O que ocorre é que esse projeto basicamente diminui ou retira a fiscalização agropecuária na mobilidade que ocorre hoje em dia, da forma como ocorre hoje em dia, então o prejudicado, é claro, será o consumidor brasileiro. O europeu, o norte-americano, vão continuar recebendo produtos de altíssima qualidade passando pelo crivo, é claro, dos auditores agropecuários federais. (O PL) deveria ser barrado. Não poderia ser aprovado com a pressa que está acontecendo. O projeto precisa ser debatido sem essa urgência que alguns senadores estão querendo. A sociedade tem que se movimentar para impedir, caso contrário o impacto para a população será muito contundente.
Contato: sandy.oliveira@estadao.com
BAIXAR BDF COMPLETO: ANFFA SINDICAL